AMAR (Associação Internacional de Estudos de Afetos e Religiões) / FOGO Editorial
8 de abril de 2021
Este manifesto a favor da Educação e em defesa do livro observa que com o possível fim da isenção fiscal, a previsão da Câmara Brasileira do Livro (CBL) é de que as obras produzidas no país sofram um aumento de cerca de 20%, tornando o acesso à leitura de livros extraordinariamente mais restrito.
Em ano de Centenário de Paulo Freire, é uma vergonha que se desestimule ainda mais a leitura e a educação de uma população que pouco lê, em comparação à média mundial.
Compreendemos que a nova medida proposta pelo Governo Federal não só dificultará o acesso mais abrangente à leitura de livros como, mais que isso, funcionará como espécie de “censor” a tal acesso, possivelmente impedindo que milhares de pessoas brasileiras e estrangeiras possam se nutrir das obras preciosamente produzidas no país.
Como o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) assinalou no dia de hoje, em nota enviada ao Estadão, “não é só rico que lê no Brasil”, como sinaliza documento governamental recentemente divulgado. Com base em levantamentos realizados para o setor por aclamados institutos de pesquisa (como a Fipe), o Snel recordou que o preço médio dos livros caiu em 40% desde 2004.
Estas informações contrastam com o documento denominado “Perguntas e Respostas” da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), que cuida da Reforma Tributária, atualizado em 6 de abril pela Receita Federal e que trata do projeto de fusão da PIS/COFINS em um tributo único, agregando a proposta de taxação de livros.
É necessário recordar que o livro é um produto que desde a Constituição de 1946 é isento de impostos – proteção mantida e assegurada pela Carta Magna de 1988. Mas ainda que os livros sejam isentos enquanto produtos, salienta-se que as editoras pagam outras taxas, cujo valor fica em torno de 2%, no caso de empresas de lucro presumido.
“A impressão que eu tenho é que (os técnicos do governo) nunca foram a uma Bienal do Livro. Lá, se testemunham cenas muito emocionantes. São pessoas que vieram da periferia, que juntaram um dinheiro específico para ir ao evento à espera de que as editoras consigam fazer um preço um pouquinho melhor, que literalmente contam moedas para comprar um livro” (VEJA, 08/04/2021).
A mudança proposta na Receita Federal prevê a criação de uma alíquota de 12% sobre operações com bens e serviços no mercado interno e externo, incluindo livros. De acordo com o documento, os benefícios fiscais “foram revistos com o objetivo de avaliar sua efetividade” e “qual a camada da população que estaria se beneficiando”.
O documento governamental menciona a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF/IBGE) de 2019, que diz que famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não didáticos e que a maioria dos livros é consumida por famílias com renda superior a 10 salários mínimos.
O Snel rebate: “analisando o quadro 1.1.1 da POF de 2017-2018, o consumo de livros não didáticos é dividido 50% entre as famílias com renda acima e abaixo de 10 salários mínimos. Mas a tese da receita confirma a profecia autorrealizável, de que o livro no Brasil é para os ricos” (ESTADÃO, 08/04/2021).
Os números da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil apresentam que de 2015 a 2019 a porcentagem de pessoas leitoras no Brasil caiu de 56% para 52%, sendo que a maior queda foi percebida justamente na classe A, na qual o percentual de leitores passou de 76% para 67%, contrariando os dados levantados pelo governo.
Como nota o presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Vitor Tavares, “não procede dizer que quem consome livros, exceto os didáticos, é a elite”, pois “ele é feito para todas as camadas da população” – feito e consumido, aliás.
Segundo o levantamento Retratos da Leitura no Brasil, 27 milhões de pessoas das classes E, D e C declaram que apreciariam poder ler mais livros. Para Tavares, “são brasileiros que não consomem mais livros porque o poder aquisitivo deles é baixo. Eles querem ler mais. Por isso que temos que ter grandes bibliotecas, escolas muito boas. O caminho para transformar um país, ainda mais do tamanho do Brasil, é pela educação, pelos bons livros que devem ser acessíveis para todas as camadas da população” (VEJA, 08/04/2021).
Esse anseio das classes menos favorecidas socioeconomicamente pela leitura é compartilhado por Mauro Palermo, diretor da Globo Livros: “A impressão que eu tenho é que (os técnicos do governo) nunca foram a uma Bienal do Livro. Lá, se testemunham cenas muito emocionantes. São pessoas que vieram da periferia, que juntaram um dinheiro específico para ir ao evento à espera de que as editoras consigam fazer um preço um pouquinho melhor, que literalmente contam moedas para comprar um livro” (VEJA, 08/04/2021).
Ressaltando: não são somente as pessoas ricas que lêem (poucos) livros no país, e a taxação de livros demonstra fazer parte de um projeto de obstacularização – quiçá uma forma de censura – da leitura e da Educação no país a todas as classes sociais, especialmente as que tem menor condição de adquirirem livros.
Segundo o documento do governo, “não existem indicativos que confirmem a redução do preço de livros após a concessão de PIS/COFINS”, o que o Snel observa: “a Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, produzida pela FIPE entre os anos 2004 e 2019, e agora pela Nielsen, indica uma queda do preço médio dos livros de 40% no período”.
O documento ainda cita que “a tributação dos livros permitirá que o dinheiro arrecadado possa ser objeto de políticas focalizadas no âmbito da CBS”. Mas será mesmo que haverá tais investimentos educacionais e culturais em um país que já sofre com a pouca leitura de livros?
Quem não sabe que o Brasil é um país em que poucas pessoas – de quaisquer classes socioeconômicas – lêem pouco, em comparação à média mundial? Informações da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (de 2020), demonstram que as pessoas brasileiras lêem apenas cinco livros por ano, enquanto a média mundial é de doze obras em igual período.
O aumento de 20% no preço final do livro representa outra coisa além de um incentivo a se ler cada vez menos?
O fato das pessoas brasileiras lerem pouco deveria ser questão de honra a ser tratada com zelo e diligência por qualquer governo. Governos que não só não investem em educação como procuram fragilizá-la ainda mais – como no caso da taxação de livros – não sentem nem uma pontinha de vergonha de si mesmos?
Não seria melhor centrar esforços em taxar as grandes fortunas brasileiras, ao invés de taxar livros e dificultar – ou até impedir – o acesso democrático à leitura e à Educação?
Por que o governo não se esmera em investir na leitura e consumo de livros dentro de uma perspectiva educacional libertadora e emancipatória que ensine a refletir e a se posicionar de modo inclusivo e crítico na sociedade, como aliás já propunha Paulo Freire, Patrono da Educação Brasileira?
Declarando aqui nossa veemente indignação e repúdio ao documento do Governo Federal que pretende taxar os livros produzidos em território nacional, bem como a outras formas governamentais de se dificultar e impedir o acesso à Cultura e Educação no país.
Despedindo-nos,
AMAR – Associação Internacional de Estudos de Afetos e Religiões
FOGO Editorial
#DEFENDAOLIVRO
Editoras e entidades co-signatárias:
- Editora Todas as Musas
- Comissão de Artes e Afetos / AMAR
- Comissão Científica da AMAR/FOGO
- Frente da Diversidade Religiosa da Paraíba
- Simpósio Internacional Amar e Mudar as Coisas
- RABA – Rede Autônoma Brasileira de Antropologia
- Comissão Queer, Não Binária e Transgênera / AMAR
- Comissão de Mulheres Negras e Antirracismo / AMAR
- Comissão de Acessibilidade e Anticapacitismo / AMAR
- ALEGRAR – Núcleo de Estudos de Gênero, Afeto e Religião / AMAR
- EDUCAR – Núcleo de Estudos de Educação, Afetos e Religiões / AMAR
- OCRE – Observatório de Cultura, Religiosidades e Emoções (PPGE/UFPE)
- TRANSAR – Grupo de Estudos Queer, Transgêneros e de Religiões / AMA
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